quinta-feira, 6 de março de 2014

Manifesto Interior

No final de 2013 o Tempo-Câmara e alguns compositores associados firmaram sua posição estética com a elaboração do Manifesto Interior. O texto foi apresentado em dois espetáculos públicos com improvisações livres e live paintings. Abaixo anexo o vídeo com trechos das apresentações assim como o texto integral do Manifesto:



MANIFESTO INTERIOR 


O Século XX é História, passou.


Webern é Velho, Villa é Velho, Varèse é Velho!
Vai - We - Vi, Wolfgang - Vu!


Todo ismo é caso particular de narcisismo.


Partituras de concurso não nos interessam. O que nos interessa é o pleno
exercício das possibilidades, o fim das patrulhas e dos grafismos de
portfólio.


Nossa música não precisa ser balizada/aprovada/homologada/
avaliada/graduada por nenhuma autoridade da história da música universal.
Nossa música não necessita de carimbos, legitimização ou críticas
favoráveis. Só necessita existir.


A Música não se divide entre popular e erudita! Já que todas as músicas
tradicionais estão repletas de erudição e, ainda que vossa-mercê traje
smoking, és POVO.


Deixemos as gavetas para os boletins, históricos escolares, diplomas e
cartinhas de “parabéns!” dos concursos e festivais. O lugar das
partituras é nas estantes. (Em caso de indisponibilidade de orquestras e
outras formações tradicionais, elegantes e pomposas, favor reescrever
para violões, cavaquinhos, guitarras elétricas, bandolins, sanfonas,
percussão, etc.)


Pelo compositor que desce da torre de marfim e não volta nunca mais
porque bebeu muita cerveja e ficou com preguiça de subir de novo todos
aqueles degraus.


Pelo compositor que gosta de ouvir música.


Todo ismo é caso particular de narcisismo. Mas quando é sistema, é
sistema.


O artesanato que subverte a indústria. A canção. Os afetos literários. Os



lieds de Schubert guardados em uma caixa no sótão junto com os álbuns de
figurinhas. Daquelas que davam prêmios.


Laboratórios! Experimentos levianos, rascunhos, improvisações,
gambiarras, garatujas. Penduremos o medo de errar e os juízos de valor no
cabide antes de entrar. Sem bom/ruim. Empirismo. Vida.


Sejamos excêntricos em vez de eurocêntricos. O saci não quer mais usar
peruca branca e pó na cara. O saci quer desaprender a usar os talheres.
Quer ficar pelado para que o mundo veja como se mantém numa perna só.


O interior em oposição a todo tipo de capital. O interior reafirmado,
assertivo, desafetado.
A Arte livre do preço que a arte custa. Retiremos das elites a posse dos
cartórios que homologam a arte. Transformemos estes cartórios em botecos.


O interior artesanal em oposição à capitalização industrial da música. O
artesanato para substituir o produto. Arte e artesanato como vias
distintas, sem oposição entre si.


O caminho do meio não é um convite à mediocridade. O excesso é necessário
para delimitar pontos de equilíbrio. Partituras premiadas por augusto
júri de renomados legisladores do fazer musical (que estudaram no
estrangeiro e por isso sabem das coisas) não nos interessam.


Nosso ambiente de concerto é o mundo. A mudança no exterior se dará a
partir do fortalecimento no interior. Sem fraques, tosses secas,
assinaturas de temporadas e olhinhos burgueses fechados para ouvir o
eterno século XIX; sem esnobismos, fetichismos e polêmicas de gueto para
ouvir o século XX. Música livre de julgamentos institucionais, sociais e
estéticos. Afinal, já chegamos ao século XXI.


São José dos Campos, novembro de 2013



SIGNATÁRIOS


Bruno Yukio Meireles Ishisaki, compositor
Dino Beghetto Junior, compositor
Laiana Lopes Oliveira, compositora
Marco Antônio Crispim Machado, compositor
Paulo Henrique Guimarães Raposo, compositor